Por Carol Hannud
Talvez você já tenha ouvido essa expressão em algum lugar - até mesmo em um dos nossos materiais sobre o Studio Linte, já que falamos bastante sobre este assunto.
Mas você sabe dizer o que é Legal Design?
Começo com o que ele não é: o Legal Design não é sobre a beleza de um documento, a utilização de ícones e QR codes em contratos, colar post-its na parede ou apenas adotar o design thinking sem contexto e conhecimento técnico jurídico e regulatório.
Não há hoje definição consensual para o legal design, pois se trata de um conceito novo. Professores e legal designers enfatizam aspectos distintos. A maioria acaba usando a expressão referindo-se, na verdade, ao Legal Design Thinking, ou seja, à aplicação no universo jurídico do design thinking, a metodologia criada como uma disciplina eletiva na Universidade de Stanford entre o departamento de Engenharia Elétrica e a Escola de Belas Artes no final da década de 1960.
O design thinking é uma metodologia de cinco etapas iterativas - ou seja, a linearidade não é a norma - usada por organizações para promover a inovação. Dessa forma, colocamos a experiência do ser humano no centro do processo criativo, com foco na criação de protótipos rápidos para resolver um problema e testes com usuários reais.
Mas minha definição de Legal Design é mais ampla. Acho importante incluir todos os tipos de abordagens de inovação, bem como as distintas áreas do design. Por exemplo, design de serviço, design de experiência do usuário, design de interface, aplicação de metodologias ágeis para a gestão de processos, mapeamento de processos e redesenho de fluxos, entre outros.
O que torna um documento realizado com técnicas de Legal Design tão especial é que ele funciona bem. Ele existe no mundo de maneira coesa, harmônica e acessível. Legal Design é sobre se preocupar com a maneira como as coisas funcionam no Direito e como as pessoas se sentem ao se relacionarem com informações jurídicas, de compliance e/ou regulatórias. É, acima de tudo, preocupar-se com a experiência do usuário e destinatário da mensagem, do treinamento, do serviço ou dos termos de uso apresentados.
Trabalhei em 2018 como uma empregada terceirizada temporária do Google em uma área de parcerias estratégicas e desenvolvimento de novos negócios durante 9 meses. Nessa época, me aproximei do que chamo de realidade: mundo digital, marketing, desenvolvimento de produto tecnológico, preocupações com termos como fricção e experiência do usuário e até mesmo de design sprints (uma versão mais rápida e remasterizada do design thinking criada por Jake Knapp, um ex funcionário do Google).
Ao encerrar meu contrato em dezembro de 2018, eu me questionava sobre a qualidade da experiência do cliente no Direito. Não compreendia por que ninguém falava sobre UX (user experience) no Direito e como a fricção para a contratação e a realização de serviços jurídicos – ou até mesmo para o acesso à justiça – era gigante. E ninguém parecia se importar.
Ao digitar a expressão “legalux” no LinkedIn em dezembro de 2018, encontrei três pessoas no mundo utilizando a hashtag - uma delas era a professora franco-canadense Tessa Manuello, que foi minha parceira no Brasil. Juntas fomos responsáveis pelo treinamento em Legal Design para quase mais de mil advogados por todo o país durante o ano de 2019, com apoio institucional da Escola Edevo, hoje a Bits Academy.
Ao longo do ano de 2020, me certifiquei em áreas distintas do Design pela Interaction Design Foundation, fiz curso na ESPM e me certifiquei como facilitadora na agência de design do Jake Knapp, a AJ&Smart, buscando adquirir um conhecimento teórico e prático mais profundo e detalhado sobre um universo que não era o meu até então. Em 2021, fui convidada a participar de uma residência acadêmica e profissional na escola e agência de design Kaospilot, uma referência mundial.
Um dos exemplos mais significativos de aplicação do Legal Design por times jurídicos, segundo o Financial Times, surgiu na Austrália em 2016, na Telstra, uma empresa de telecomunicações. Eles usaram a metodologia para fazer uma série de melhorias pequenas, mas impactantes, na entrega de serviços para clientes corporativos internos, como responder a consultas em um determinado período de tempo máximo.
Desde 2020, muitos grandes escritórios de advocacia agora empregam legal designers em sua equipe. Alguns, como o Linklaters, oferecem treinamento de design a todos os seus advogados para encorajar uma mentalidade mais centrada no cliente. Outros, incluindo Gilbert & Tobin, que assessora a Telstra e possui sede na Austrália, incorporaram a metodologia em tudo o que fazem.
A atual garota-propaganda por renovar sua abordagem do conteúdo jurídico em seus contratos comerciais é a Shell. O grupo de energia concluiu vários projetos para melhorar a forma como interage com fornecedores e clientes, nomeadamente através da introdução de contratos visuais. Fraser Hill, gerente-geral de transformação digital e de processos e líder do projeto, diz que começou pensando na experiência do usuário e no objetivo do contrato.
Por aqui, temos casos envolvendo a MRV, a Loft e até mesmo o Poder Judiciário. Isso mesmo! O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) lançou recentemente a Resolução nº 347/2020, que dispõe sobre a Política de Governança das Contratações Públicas no Poder Judiciário. O documento, assinado pelo ministro Luiz Fux, elenca os recursos de visual law como sendo essenciais para tornar os documentos mais claros, usuais e acessíveis.
No Capítulo X, sobre o plano de comunicação para implementação dos ditames da resolução, o parágrafo único do art. 32 refere que, “sempre que possível, dever-se-á utilizar recursos de visual law que tornem a linguagem de todos os documentos, dados estatísticos em ambiente digital, análise de dados e dos fluxos de trabalho mais claros, usuais e acessíveis”.
O anexo da resolução, que trata das definições adotadas no decorrer do documento, também cita a expressão. No anexo, em suma, o visual law é, por sua vez, conceituado como sendo a “subárea do Legal Design que utiliza elementos visuais tais como imagens, infográficos e fluxogramas, para tornar o Direito mais claro e compreensível”. Você pode conferir outros normativos publicados sobre este assunto clicando aqui.
Para concluir, gostaria de enfatizar a importância do Legal Design para o momento que estamos vivendo no Direito. A abordagem tradicional não é mais suficiente. A complexidade crescente em termos regulatórios e legais, assim como a digitalização e a globalização, estão mudando nossas sociedades a tal ponto que desenvolvemos – todos nós – novos comportamentos, novas formas de nos comunicarmos e interagimos, bem como um acesso maior à informação e ao conhecimento.
O Direito e a lei continuam exercendo funções críticas para todas as sociedades e para as áreas de negócio. Porém, o atrito e a fricção crescentes entre o mundo real (digital) e o mundo jurídico tradicional (ainda inspirado no Corpus Juris Civilis) estão cada vez mais insuportáveis.
Temos que tornar o Direito acessível – não apenas no sentido de garantirmos acesso à justiça, mas no sentido de fornecermos usabilidade jurídica. E é aí que entra o Legal Design.
Usabilidade, note-se, é um termo utilizado para definir a facilidade com que as pessoas podem empregar algo a fim de realizarem uma tarefa específica e importante. E acho que podemos concordar que o Direito é pouco ou nada acessível no seu modelo tradicional. Portanto, talvez seja a hora de finalmente nos preocuparmos com a democratização da informação e com a experiência do cliente.